quinta-feira, 11 de junho de 2015

Costureira de Juquiá morava em Hiroshima quando explodiu a bomba.

          Uma reportagem de A Tribuna do Ribeira de 9 a 15 de agosto de 1980.
                         Texto Rafael Guelta

          Juquiá - A costureira Massako Matsumoto, que hoje reside e trabalha em Juquiá, morava em Hiroshima quando a bomba foi detonada. Ela estava varrendo a sala de sua residência, no bairro Ushitamati, distante quatro quilômetros do centro, quando ocorreu a explosão. Viu uma espécie de re-lâmpago amarelo e a seguir, a fumaça preta tomar conta de todo o céu da cidade.Sua mãe Miyoko Setogushi que tinha 45 anos de idade, morreu pouco mais de um mês depois, vitima dos efeitos provocados pela radioatividade da bomba.
          Massako é um dos raros sobre viventes de Hiroshima no Brasil.
          Segunda feira 6 de agosto de 1945. A população de Hiroshima (Japão) amanheceu agitada com a noticia de que um avião B-29, da força aérea dos Estados Unidos jogaria uma bomba recém inventada sobre a cidade segundo os americanos, a mais potente de todas que se usara até então na guerra entre os dois países. A radio japonesa, em cadeia nacional, fez o comunicado bem cedo por volta das 6 horas, e acrescentou que o avião, a essa hora, já deveria estar sobrevoando Hiroshima.
          Há quatro quilômetros do centro da cidade, num bairro chamado Ushiamati,  Massako, 20 anos
 solteira, nascida em Ehime e criada em Hiroshima, varria a sala de sua residência ouviu o noticiário pela radio e ficou alerta como determinavam as autoridades japonesas. Ela trabalhava no escritório Mtsuibussau, no centro da cidade, mas neste dia faltou ao emprego para terminar a costura de um vestido, que iniciara no domingo.
          Fazia calor em Hiroshima , o céu estava limpo. Seis e meia e não se ouvia o ronco do motor do avião, Massako relaxou o corpo, foi fazer outros trabalhos domésticos e esquecer completamente a ameaça. Minutos depois, a radio japonesa, novamente em cadeia nacional desmentia a notícia, tudo corria normalmente em Hiroshima, uma cidade que até então não havia sido atacada por uma única bomba, apesar de o conflito entre Estados Unidos e Japão ter chegado a níveis bastantes tensos.
          O relógio de parede marcava exatamente 8:15 horas quando Massako ouviu o ronco de um motor de avião sobrevoando Hiroshima mal teve tempo de correr a janela para observar o que acontecia. Viu o que ela define como "uma espécie de relâmpago amarelo", que tomou conta de todo o céu da cidade. Depois o barulho de uma explosão, bastante prolongado. A casa balançou o forro caiu e várias paredes racharam. A irmã Kumie e a avó Kame que estavam em outros aposentos não sofreram ferimentos, nem ela.
          Massako pensou que a bomba tinha caído em sua casa, correu para a janela desesperada e viu o céu completamente tomado por uma fumaça preta. Lembrou da mãe, dona Miyoko Setogushi, que trabalhava no centro da cidade e tinha 45 anos. Saiu para o quintal e conversou com os vizinhos, igualmente desesperados ninguém, sabia, que a primeira bomba atômica construída pelos Estados Unidos acabara de ser detonada, dando um outro destino às relações entre as principais potências do mundo.
          Mulher simples mais profundamente marcada pelas dores que viveu na juventude, Massako Matsumoto hoje com 55 anos, mora em Juquiá, cidade do vale do ribeira, mãe de quatro filhos, esposa do bicicleteiro Takemitso Matsumoto e proprietaria de um atelier de costura no centro da cidade lembra com detalhes de tudo que aconteceu no dia 6 de agosto de 1945. Hoje ela vai dedicar a um minuto de silencio à memória de sua mãe que foi uma da vitimas da radioatividade da bomba atômica. E aproveitara para pedir a Deus que reforce o espirito de compreensão entre os homens.
          "As lembranças que trago de Hiroshima - recorda dona Massako - é coisa que vou carregar pra sempre como um marco de minha vida. Faz 35 anos mas parece que foi hoje. Lembro nitidamente da fumaça preta no céu, da chuva preta que caiu durante três dias e da cor amarelada que ficou no céu de Hiroshima durante a noite. Lembro dos sobre viventes gravemente feridos que foram socorridos em minha casa. Muito morreram e eu ajudei a crema-los outros sobreviveram mas ficaram com marcas físicas irreparáveis. E outros ainda que não mostravam o minimo sinal de ferimentos físicos, morreram poucos dias depois da explosão, vitimas da radioatividade, como minha mãe que era uma mulher forte."
          Bem que dona Massako gostaria de apagar definitivamente de sua memória a imagem da destruição de Hiroshima. Mas ela mesmo vontade. "Eu gostaria de esquecer, por exemplo - prossegue - da morte de minha mãe. Ela trabalhava no centro de Hiroshima e foi para lá normalmente naquela segunda feira e voltou para casa muito assustada, mas sem o menor sinal de ter sofrido algum mal. Depois de 15 dias o cabelo dela começou a cair, inexplicavelmente chamamos um médico mas nada foi diagnosticado surgiram pintas vermelhas pelo corpo, que sangravam bastante. Depois começou a perder muito sangue pela boca, tinha febre de 40 graus e ficou totalmente sem apetite. Nenhum médico sabia diagnosticar a doença, e ela morreu pouco mais de um mês depois da explosão¨".
          Massako só teve coragem de ir para o centro de Hiroshima no dia 9 de agosto - três dias depois, justamente quando os Estados Unidos detonavam uma outra bomba atômica em Nagasaki, colocando um ponto final na guerra - que seria decretada oficialmente no dia 15 de agosto de 1945, não havia movimento nas ruas, nem o barulho das máquinas trabalhando nas fábricas, nem ônibus e bondes circulando na avenidas, Sucediam-se minutos de silêncio que de repente eram interrompidos por gritos de dor e revolta daqueles que assistiam penalizados a destruição de uma das maiores cidades do interior do Japão. As casas estavam caídas (como se tivessem implodido) e os mortos eram colocados em beira de estradas.
          "É impossível esquecer as cenas que vi naquele dia - continua dona Massako Tinha por exemplo um homem que estava subindo num bonde talvez indo trabalhar, seu corpo estava totalmente carbonizado de pé, segurando na maçaneta da porta do bonde. Numa praça havia uma mulher sentada embalando o filho ainda de colo, os dois estavam totalmente carbonizados, havia também pessoas que gemiam de dor, mas era impossível salva-las estavam queimadas deformadas, caíam pedaços de seus corpos o exercito Japonês que foi socorrer imediatamente tentava fazer alguma coisa. Uma coisa interessante é que não vi muito sangue a bomba não provocou derramamento de sangue."
          Hiroshima era além de uma das maiores cidades do Japão a capital do estado de Hiroshima na época um dos mais promissores do Japão. E dona Massako lembra muito bem no momento em que encontrou nas ruas destruídas da cidade um velho conhecido, "Ele olhou pra mim um tanto quanto surpreso e disse "Nossa! Você ainda esta viva?" Era assim que se tratavam todas as pessoas que se encontravam naqueles dias. "E isso tornava nosso relacionamento ainda mais doloroso. Mas não lembro de ter havido revolta por parte das pessoas.
           Apenas choravam a morte de um povo, de uma cidade."...
           Dona Massako recorda que ninguém conhecia no Japão, o tipo de bomba que havia sido atirada em Hiroshima o exercito japonês não acreditava que perderia a guerra e o pensamento geral era lutar até a morte do ultimo habitante do país, soube-se mais tarde que a escolha de Hiroshima para explosão da primeira bomba atômica devia-se ao bom tempo que fazia na cidade, porque a bomba precisava de sol para espalhar seus efeitos destruidores.
          No dia 15 de agosto de 1945 quando foi decretado o fim da guerra, soldados norte americanos ocuparam totalmente o Japão e dirigiram-se em grande quantidade para os escombros de Hiroshima dona Massako viu alguns dele de perto: "Ficavam petrificados guando viam o estado da cidade as pessoas queimadas, mortos vivos gemendo no chão não acreditavam que seu país tivesse cometido aquela barbaridade. Eles ajudavam os soldados japoneses a cremar os mortos. E prestavam como eu prestei socorro a pessoas atingidas pela radioatividade, lembro que cheguei a tirar colheres de crosta de sangue das bocas dessas pessoas, que estavam com a respiração entupida.
          No escritório onde eu trabalhava, todos os faxineiros foram encontrados mortos.
          Varias manifestações religiosas foram realizadas no Japão, em memória dos mortos de Hiroshima e Nagasaki. E a medicina do país, contando com a ajuda de médicos norte americanos que conheciam profundamente a constituição da bomba atômicas, acabou por descobrir quais os efeitos emitidos pela radioatividade: diminuição dos glóbulos brancos no sangue ( uma espécie de oposto da leucemia, que deixava as pessoas sem as minimas defesas orgânicas naturais.
          Até hoje dona Massako garante que não teve o minimo problema com a radioatividade da bomba."Nunca fiquei doente de cama só mesmo algumas gripes eves, que se cura com esses comprimidos que se compra até em bares."
          Depois do fatídico 6 de agosto permaneceu em Hiroshima por mais cinco anos, onde se casou com Takemitso e teve dois filhos, antes de vir para o Brasil.
           "Vim para o Brasil por desejo de meu marido recorda dona Massako, Takemitso era soldado da marinha estava servindo na Indonésia quando a bomba explodiu em Hiroshima, e depois que a guerra terminou, com a invasão dos americanos, o exercito japonês foi praticamente extinto. Meu marido ficou sem trabalho, pensando também nas amargas lembranças que tínhamos da guerra resolveu mudar de país, de clima, de vida, de tudo, escolheu o Brasil porque aqui é um país pacífico, sem racismo, e além do mais, porque sabia da existência de várias colônias japonesas aqui.
          A família Matsumoto desembarcou no porto de Santos no dia 15 de agosto de 1956 - justamente quando se comemorava onze anos do fim da guerra entre Japão e EUA com pouco dinheiro mas com muita disposição de trabalho, foi para um lugarejo distante 30 quilômetros de Paranavaí ( Paraná) trabalhar na lavoura de café da fazenda Real.
          "Não conhecíamos nada do Brasil. E como vários estrangeiros ouvíamos dizer que aqui tinha muito índios - confessa dona Massako viajamos de caminhão para Paranavaí e eu cheguei a sentir muito medo, tinha partes do percurso em que os cipós tomavam completamente as estradas e o motorista do caminhão era obrigado a sair da cabina para costa-los, num trecho ouvi sapos coachando e pensei que fossem índios demorei pouco tempo para me adaptar e hoje só sinto dificuldades em entender mais profundamente as raízes da cultura brasileira porque não sei ler em português."
          Um ano foi o período que a família ficou em Paranavaí, depois vieram novos empregos na lavoura de café, em Maringá até que, reunindo algumas economias, os Matsumoto compraram uma pequena extensão de terras, 10 algueires entre Pariquera Açu e Iguape, onde tentaram vencer plantando arroz e banana.
          "Mas a terra era infelizmente muito fraca - diz dona Massako tivemos um grande prejuízo e resolvemos parar de vez com a lavoura, viemos para Juquiá onde vivemos há 16 anos. Aqui meu marido se tornou bicícleteiro  e eu apesar de conhecer bastante o ramo de contabilidade, acabei me tornando costureira porque não sei ler nem escrever em português. Apesar da lembranças, somos hoje uma família feliz, que procura viver para uma comunidade porque a dor extrema que sentimos nos ensinou a ter mais esperança no futuro da humanidade."
          Hoje, dona Massako ouve indiferente todo tipo de comentário que se faz sobre a instalação de duas usinas atômicas em Peruíbe e Iguape, municípios do vale do ribeira como Juquiá mesmo afirmando que tem medo de sérios conflitos porque o armamento mundial é cada vez maior, diz que prefere não emitir opinião quanto a vinda de usinas nucleares para o Brasil, porque esse é assunto para o governo quer apenas que o seu otimismo seja transmitido às pessoas. "Eu gostaria de voltar a Hiroshima a passeio quero ver a cidade bonita que ela é hoje e provar a todos que a força do homem é superior a potência da bomba atômica - finaliza.

          Observação: Dona Massako morreu vinte oito de novembro 2010, deixando muita saudade à familiares parentes e amigos que a conheceram e sempre à admiraram.

   

                         A opinião da colônia
          Falando em nome da colônia japonesa de Registro do qual é presidente, Fusaji Okamoto, deu seu depoimento sobre a tragedia de Hiroshima, cuja a tônica foi a necessidade da humanidade evitar as guerras. Na opinião de Okamoto, o que mais revoltou os homens e notadamente os japoneses foi o fato de a bomba ter sido jogada sobre a população alheia a guerra.
          "Naquele eu já estava no Brasil mas, mesmo assim eu e toda a colônia japonesa não nos conformamos com a tragédia," afirmou o presidente, da colônia, explicando: " lá (Hiroshima) não era campo de batalha quem morreu foi o povo não militares, soldados. Morreu gente.... morreram a toa".
          Okamoto disse ainda que "num campo de batalha tem que se matar, senão é morre mas Hiroshima estava distante disso." Logo após a guerra, segundo o presidente da colônia japonesa. os imigrantes do japão residentes em Registro, reuniam-se anualmente para relembrar a data da explosão das bombas em Hiroshima e em Nagasaki.
          As reuniões foram deixadas de lado porém, " quando cada imigrante lembra-se da tragédia, pensa, com toda esperança, que essa pagina triste da história nunca mais se repetira."



                                        Pesquisa A tribuna


          Era uma manhã muito clara de 6 de agosto de 1945, quando Hiroshima foi escolhida - entre três cidades previamente selecionadas - pela tripulação do avião norte americano para o alvo da bomba atômica. Eram exatamente 8:15 h quando a bomba de quatro toneladas de peso com a carga de um quilo de urânio ( equivalente a vinte mil toneladas de pólvora) foi lançada sobre a cidade.
          Não se sabe até hoje o numero exato de vitimas fatais, mas calcula-se que 100 mil pessoas morrem por ocasião da explosão e outras 100 mil pelos efeitos da bomba: ferimentos graves, doenças no sangue, e outras causas, Hiroshima era uma cidade aproximadamente de 400 mil habitantes e foi quase totalmente destruída. Apenas duas ou três estrutura de concreto conseguiram resistir a bomba. 
          Mas não foi apenas o fato de apresentar o dia mais claro, com o céu azul e límpido, que fez Hiroshima a cidade escolhida. Os americanos queriam jogar a bomba sobre uma cidade que ainda não tivesse ainda sido bombardeada. Para avaliar com mais precisão os efeitos destruidores da nova arma.
          Sem duvida os resultados superaram as expectativas. O próprio presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, a bordo do navio de guerra SS Augusta, de volta da conferência de Potsdam, onde havia se reunido com Stalin e Churchill, declarou: "Acabamos de lançar uma bomba no Japão que tem mais poder que vinte mil toneladas de TNT. Foi um sucesso total. Ganhamos a parada. É o maior feito da história." Os oficiais do navio gritaram e aplaudiram.
          A bomba que tinha como código o nome de "Litle Boy", foi lançada de cerca de nove mil metros de altura do avião B 29 "Enola Gay", e explodiu 43 segundos mais tarde a 570 metros do chão. 
          Uma bola de fogo de 150 metros irradiou ondas incandescentes de nove mil graus centigrados, a quatro quilômetros por segundos. Pouco depois, elevou-se o cogumelo atômico, que subiu vários quilômetros sobre a cidade que já havia se transformado em um deserto. 
          Todos o que se encontravam no epicentro da explosão simplesmente desapareceram, sem deixar rastros. E dos milhares sobre viventes, queimados e nus, que se encontravam a mais de quatro quilômetros, centenas morreram ao se lançar nos rios da cidade, cujas as águas ferviam como se estivessem em uma panela sobre o fogo. 
          Três dias mais tarde uma outra bomba explodia sobre Nagasaki, provocando outra 70 mil mortes e dezenas de milhares de vitimas.