1826 – Novos Moradores Chegam ao Vale do
Juquiá.
Atraídos pelas notícias de fertilidade das terras do Vale do
Juquiá e pela facilidade de se instalar no lugar, visto que a maioria dos terrenos constituía-se de terras do governo, aos poucos, as famílias de agricultores começaram a se instalar na região. Em 1826
Stokler registrou a chegada de três novas famílias, entre elas, os Cunha, que seriam os precursores das redondezas do Pé da Serra.
“Chegarão no
Juquiá alguas outras famílias que
vierão aqui habitar com as gentes do
logar. Eram
Matheus Mandro,
Jozé de Pontes Cunha e Pio da Cunha. Que
trazião dous negros cativos e
soffridos, com tudo de boa idade, que
trabalhavão em seus
assumptos com madeira e boas
cannoas que fazem para seus
donnos. E
fizerão nichos de oração mui bem feitos e dados aos seus vizinhos conquanto lhe
puzessem imagem
sancta de quem o
quizesse”.
Stokler – 1826.
1827 – Sem Capela, a Violência Impera no
Juquiá.
O desejo dos
juquiaenses, para que se levantasse uma Capela no
Juquiá, além da prestação dos serviços religiosos e espirituais, advinha da grande violência que imperava nas redondezas. A região era uma terra sem lei e sempre recebia visitas de garimpeiros desesperados, foragidos da justiça e criminosos de todas as espécies e
personalidades. Diante do pulso firme de Fernando José Gomes, pai de
Felipe Fernandes, os
facínoras e demais invasores indesejáveis eram todos expulsos da região. Graças a esta autoridade nata, anos depois, Fernando José Gomes seria nomeado Juiz de Paz de
Juquiá, então autoridade máxima do povoado.
“As gentes
cristãns que se (
sic) e pedirão aos França que fossem ao
Igoape expor ao vigário
daquella matriz da necessidade que tem os povos daqui rio abaixo e
dalli rio
asima e desses
entornos todos para as rezas, casamentos, baptismos e
crizmas, seus enterros que mui
faltão e
seressentem e
recommendão todos do
Juquiá hu’a
capella catholica com
seo dicto orago”.
Stokler – 1827.
“
Vierão ao
Juquiá, de partida ao
Tariry e nas suas serras, alguns homens que
tratão o povo com
phrases de
sizudez e maldade que mui lhe cabia. Baterão
elles nas portas
atráz de
esmollas e o que de comer e
forãosse a todas as
cazas pedir as
esmollas. Fez bem o Fernando Gomes de não lhes dar
attenção, lhes
collocar frencte e os afastar do
Juquiá. Porquanto
forão elles subindo o São Lourenço e indo ao
Tariry buscar ouro ou outras riquezas no cascalho
daquellas serras e
ágoas daquelles rios. Antes
delles subio o rio o Martim dos índios para
avizar os do
Tariry da viagem dos estranhos”.
Stokler – 1827.
“
Despos de quinze dias veio bater nas portas por protecção hum
daquelles homens que
forão ao
Tariry. Tinha
elle hu’a das mãos estropiadas de
paos que lhe
derão na surra os índios
daquelle logar que não lhes
quizerão alliança e não
acceitarão que
alli ficassem e
seefectivassem e que tanto baterão nos
companheros seos que ficarão
elles para traz, não sabendo o estropiado
sehavião permanecido vivos
naquellas matas”.
Stokler – 1827.
1828 – Estrangeiros no
Juquiá.
Depois da primeira tentativa para colonizar o Vale do Rio
Juquiá, em 1576, com
Pero Magalhães
Mondavo, séculos depois, após a Proclamação da Independência, como não se conseguissem outras áreas melhores no Vale do Rio Ribeira, passou a predominar a preocupação com o povoamento das áreas longínquas e inóspitas. O Visconde de São Leopoldo estava convicto que a introdução de imigrantes era um grande benefício e não cogitou detalhes.
Em 1826, o Imperador D. Pedro I incumbiu o astuto e o
inescrupuloso Von
Schaeffer de obter na Europa soldados que pudessem lutar nas guerras do sul e lhe deu ordem também para trazer muitos colonos germânicos. Prometendo riquezas, honrarias, altos cargos e terras próprias, Von
Schaeffer aliciou gente de todos os tipos nos Estados Meridionais da Alemanha, sobretudo na Baviera. Depois da viagem de seis meses ao Rio de Janeiro, foram recolhidos na Armação. Sem a menor consulta aos poderes da Província de São Paulo, em 1827, o Governo Imperial remeteu a ela os imigrantes, avisando que sua Majestade, o Imperador, mandava que tomasse as medidas necessárias para receber e alojar os colonos estrangeiros que partiam da Corte (Rio de Janeiro) para essa Província. Naquele ano desembarcaram em Santos 227 colonos, que se hospedaram em São Paulo, no “Hospital Militar”. O Governo da Província deveria escolher um local para a instalação da
colônia. No ano seguinte, em 1828, chegavam mais 294 imigrantes. Um número razoável para a época.
A
colônia deveria se instalar de forma a constituir um centro de aproximação entre as diversas localidades. Entre São Paulo, Santos e o Paraná
existia o Vale do
Juquiá, com milhares de
quilômetros desabitados. Sem dúvidas, seria ali o lugar mais adequado para a instalação.
O
Diretor da
Colônia, Dr. Justiniano de
Mello, acompanhado de alguns líderes dos imigrantes alemães chegou em
Iguape, em
dezembro daquele ano, e sem mais delongas alugou duas canoas, subindo pelo Ribeira queria ele encontrar a Barra do Rio
Juquiá. Deste trecho em diante, o
diretor passou a discorrer sobre a fertilidade das terras que, em sua maioria eram devolutas e pertenciam à Província de São Paulo.
Segundo
Stokler, mesmo antes de chegarem à barra do Rio São Lourenço os imigrantes presenciaram os índios
cayuás, do
Itariri, em meio de uma escabrosa dança sobre a Pedra do Cavalo, onde agradeciam ao seu
deus pela abundância da caçada por eles realizada nas
várzeas do
Ipiranga. Os líderes dos imigrantes alemães, apavorados com a cena, e, pensando que seriam atacados pelos selvagens, decidiram que ali não comportava a instalação de
colônia alguma.
“
Apareceo no
Juquiá,
hu’a
commitiva de gentes estrangeiras que
querião habitar no
Juquiá por ordem vinda do imperador e do Rio de Janeiro. Não
quizerão elles escolher o
logar com temor da falta de
alliança aos índios que lhe
fizerão frencte de danças na Pedra do Cavalo do
Juquiá abaixo, por sua boa caçada feita no
Ipiranga e que por
mao entendido
forão os índios por acharem os estrangeiros que estivessem
elles em guerra e outros
delles maes pella falta que
sefaz de
hu’a
escolla e de outros atendimentos
maes. Essas gentes não estão acostumadas ao
callor e
avermelhão as cores das faces com o
poucco que faz neste
mez de
outubro.
Forão de volta de
immediato, sem mesmo alcançar
accordo do rio São Lourenço. As gentes do
Juquiá lhes passarão o temor que
sentião”.
Stokler – 1828.
A floresta densa e de fauna exuberante, o calor infernal e as constantes inundações, aliadas à falta total de qualquer posto de atendimento médico ou escola, além da presença hostil dos índios, fez com que aqueles imigrantes mudassem de
idéia. O Vale do Rio
Juquiá, desde os primórdios da colonização de São Paulo, era considerado a “
Amazônia Paulista” e, portanto, distante dos sonhos de riquezas de qualquer colonizador estrangeiro. Assim, foi a
colônia de imigrantes alemães se instalar no planalto
paulista, em Santo Amaro, onde, em 50 anos, dispersou-se completamente. Fracassava, assim, a primeira tentativa de colonizar o Vale do
Juquiá com imigrantes europeus.
Novas tentativas de formar
colônias no
Juquiá se fariam, mas somente uma, um século depois, daria bons resultados. Entretanto, as autoridades de São Paulo e
Iguape não desanimaram, pois sabiam da necessidade de se formar um povoado no
Juquiá, para que se resolvessem os obstáculos ocasionados pela grande distância da sede municipal e que pudesse dar sustentação a uma ramificação da administração pública municipal e religiosa, mesmo que de maneira provisória ou carente.
A intenção maior seria
alavancar, de qualquer maneira, a ocupação e o desenvolvimento da região esquecida. As manifestações populares para a formação de novos povoados normalmente ocorriam para a criação de pequenas capelas que, após serem curadas e abastecidas de padres, devam provisões para as missas, casamentos,
batismos e, enfim, uma enormidade de
ações de cunho religioso e social. Nesse mesmo ano
Stokler registrou a insistência com que os sitiantes do
Juquiá manifestavam-se em
Iguape, para que as autoridades religiosas criassem uma Capela na região.
“
Forão no
Igoape do mar no
setembro passado
hu’a
commitiva do
Juquiá alli rellatar ao vigário a necessidade d’
hua capella no rio
Juquiá que mui
precizão as gentes do
logar dos
assumptos religiosos e que os de lá
prommeterão para os
annos próximos a
attenção de
installar a
dicta capella pella supplica nossa”.
Stokler – 1828.
Ainda em 1828, os
registros de
Stokler nos mostram o quanto perigoso era viver na região do
Juquiá. Longe da civilização, como qualquer sertão brasileiro da época, as
pendências eram resolvidas a bala e os assaltos se tornavam constantes. A descoberta de corpos de pessoas assassinadas era muito comum nas redondezas do
Juquiá e nenhum registro policial se fazia desses casos, que, com o tempo, eram completamente esquecidos.
“
Fezsse descoberta na
isla da lagoa de
Felipe Fernandes de
dous homens que
alli morrerão com ferimentos
fructos de mosquetaria sem que lhes soubessem a
cauza e sem quem lhe desse
supplica dos corpos.
Forão os defuntos enterrados no centro da
dicta isla para que
sesoubesse ao
fucturo donde
encontral-os de
immediato”.
Stokler – 1828.
1829 – É Requisitada a Criação da Capela.
Em 2004, o
juquiaense João Cândido da Silva, descendente de
Felipe Fernandes, que foi um dos primeiros moradores Vale do
Juquiá, nos contou uma história interessante relatada por seu pai, João Fernandes da Silva, que, por sua vez, lhe foi passada de geração em geração.
“Como em toda região do
Juquiá não vivessem mais do que cinco ou seis famílias e estas morassem a grande distância umas das outras, era preocupação geral entre esse povo para que se unissem como uma só família quando então teriam melhores chances de enfrentar os dissabores causados pelo total isolamento em que viviam. Dessa forma, para que os seus filhos se conhecessem, celebrassem amizades, apadrinhamentos, ou até se casassem, era necessário que as famílias tivessem motivos para se
confraternizarem entre si”.
“Assim, os
mutirões se fizeram necessários. As famílias se reuniam em determinados dias, pré-estabelecidos, e passavam um período de sete a oito dias na propriedade de alguém que fosse o sorteado ou escolhido. Nesse período, o dono da casa
providenciava alimentação para todos que, em
contrapartida, executavam serviços de roça, plantando arroz, feijão, milho, mandioca, ou fazendo uma derrubada num grande trecho de mata virgem. Os
mutirões sempre acabavam aos sábados à tarde e, findo esse período, o dono da propriedade oferecia uma festa onde muito se comia e dançava. No domingo as pessoas juntavam suas tralhas e partiam de volta para suas casas, até que fossem convocados para outro
mutirão”.
Os relatos
atuais de João
Candido da Silva são confirmados pelos
registros que
Stokler realizou em 1823:
“
Chamão de
mutirão os trabalhos de
alliança que todos
adherem, que
fizerão derrubadas e talharão todos os
paos da mata e ensinarão a construir o carvão que não se sabia.
Despos de
mez voltarão em
attenção de acender fogo e
queimmar todo o derrubado (...) Lidamos na roça d’outros para o mesmo
signal de paga”.
João Cândido da Silva explicou, segundo relato de seus ancestrais, que o dinheiro era escasso ou não existia. Tudo era adquirido na base do
escambo. Toma lá e dá cá! Mas havia muita fartura. Não faltava a carne de caça, peixe do rio, cereais, farinha de mandioca, verduras e variados animais e aves domésticas. Entretanto, o maior problema era realizar os casamentos familiares. O rapaz interessado em contrair
matrimônio procurava pela modesta comunidade uma moça que lhe agradasse.
Feita a descoberta da pretendida era só aguardar o próximo
mutirão para, no baile de despedida, tentar uma aproximação. O moço então, sem que ninguém percebesse, resvalava rapidamente a mão no ombro da pretendida ou lhe jogava algumas
pedrinhas nas costas. Se a moça sorrisse, este era o sinal de que havia aceitado o
flerte. Então o pretendente conversava sobre o seu interesse com o seu pai e este comunicava ao pai da moça as reais intenções de seu filho. Com tudo acertado entre as partes, marcava-se o casamento. Mas aí começavam os problemas, conforme veremos nos relatos de João Cândido da Silva:
“Não existia Capela no
Juquiá, e muito menos padre para casar os jovens. Quando o povo se reunia na casa de alguém, fazia ali as suas orações e prestava culto a Deus, sem que seguisse
corretamente os rituais da Igreja Católica. Para
batizar, crismar, casar ou fazer qualquer ato cristão, os
juquiaenses tinham que viajar até
Iguape, o que era muito difícil. Por causa disso, principalmente, muitos defuntos foram enterrados no sertão, ou chegavam em adiantado estado de
decomposição ao cemitério da Freguesia de
Iguape”.
Portanto, o povo do
Juquiá precisava sem demora de uma Capela onde o padre pudesse prestar os
misteres religiosos. Para que isso acontecesse os moradores, a cada vez que desciam até
Iguape, conversavam com o padre, insistindo para que este fosse ao local e definisse a construção de uma nave religiosa e, assim, tirá-los daquela situação escabrosa. Os esforços
envidados pelos moradores do Vale do
Juquiá surtiram os efeitos desejados. Em 09 de
janeiro de 1829, o Bispo de São Paulo, Dom
Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, baixou uma portaria que deveria ser obedecida por
Iguape, “
naqual manda ao vigário da Vara desta Vila que vá ao Rio
Juquiá criar ali
hua Capella Curada”.
Dizia a Portaria Diocesana:
“Para satisfazer a
requizição do Conselho Geral da Província, o qual expõem
annualidade, que há do
estabellecimento de
hua Capella Curada na Povoação do Rio
Juquiá,
Destricto da
Villa de
Iguape, estar necessário, que o muito Reverendo Vigário da Vara
daquella Commarca vá com o Escrivão de
seo cargo ao lugar
dezignado, e
alli convocando os Povos
daquelle contorno,
eleijão louvados para
dezignarem os Limites, número de Povos que se devem
assignalar à dita
Capella para o que ouvirá por
escripto os Reverendos
Parochos das Matrizes, de onde a mesma deve ser desmembrada e de tudo o mandará lavrar Termo, que será por todos
assignados, no qual se declara, no
cazo de haver
alli Capellas, se está decentemente
promptifficada para a
Cellebração do Culto Divino, enquanto ainda não haja, se os Povos se
obrigão a
edifficá-la com a decência necessária: a que tudo assim cumprido nos
transmittirá em Carta
feixada, com informação sua, interpondo o
seo parecer”.
“O que mandamos, que assim cumpra com urgência”.
Com as notícias vindas da Freguesia de
Iguape, confirmando a futura
ereção de uma Capela no
Juquiá, os sitiantes do lugar ficaram eufóricos e começaram a fazer planos para receber o vigário da Matriz e a escolher um lugar adequado para a tão esperada instalação.
“Neste
janeiro finnal chegarão noticias do
Iguape da
prommessa de
adherir a
hu’a
capella que faltava no
Juquiá e que há tempos
pedião os povos do
logar. Para o
mez virá o vigário e sua gente
demmarcar o sitio da
capella e pedir ao povo que
sefaça construir e
crear a
dicta capella onde
possão devante rezar e receber outros
misteres da igreja”.
Stokler – 1829.
Preparou-se, então, João
Crhysóstomo, Vigário Colado à Matriz de
Iguape, para cumprir àquela determinação do Bispo. Dias depois, informava aos moradores do Vale do
Juquiá da exigência Diocesana,
conclamando o povo do lugar para que escolhesse um local, pois logo faria a visita, acompanhado do Escrivão de seu cargo.
1829 - O Sítio
Pedrões de
Pozo Alto
Desta forma, em princípios de 1829, o Bispo Diocesano Dom
Manoel da Silva ordenou o levantamento do corpo de uma capela, em local a escolher. Mas existia a falta de pessoas interessadas que tivessem propriedades legalizadas para a doação de um lugar adequado, com amplos espaços para a formação de uma futura Freguesia, como assim exigiam as provisões do Bispo, visto que a região do
Juquiá era um imenso sertão completamente desabitado e os seus raros moradores eram pessoas incultas e sem maiores ambições. Como a maioria das terras ribeirinhas pertencia a
proprietários que nunca puseram os pés na região e nela pouco se interessavam, decidiu o Bispo que a Capela fosse erigida em local oferecido por quem de real interesse.
“
Fizerão neste
anno hu’a
vizita no
Juquiá o vigário do
Iguape e
seo escrivão sacramentado. O
sancto homem João
Crhysóstomo de Oliveira é mui
attencioso e por
maes mui calmo.
Vizitousse todas as
cazas dos sítios e
sefez a
elle o beija-mão de costume fazer e pediu
elle a terra para a igreja do
Iguape donde se vão dar
construcção e
crear a
dicta capella. Por mais procurado não se encontra
alli as
dictas terras para
attender c’os documentos de
escripturação e posse.
Permaneceo o padre e
seo escrivão por alguns dias e
maes por procurar sem encontrar quem de facto possuísse o
precizo e necessário terreno.
Seconverssou com o povo de Fernando José Gomes que se dignou
fallar c’o
seo filho
Felipe Fernandes para os dias próximos que estava
elle com mui boas vontades
dalli situar
hu’a
capella com hum
orago”.
Stokler – 1829.
Desta forma, os moradores do lugar embarcaram em duas canoas, em companhia do vigário João
Crhysóstomo de Oliveira Salgado
Bueno e seu escrivão e saíram à procura de um lugar apropriado para construir a Capela.
Stokler relata que após breve procura encontraram um bom lugar e o local, denominado Sítio
Pedrões de
Pôzo Alto, pertencia a
Felipe Fernandes, filho de Fernando Gomes, que estavam na comitiva.
“
Forão Fernando José Gomes, o
Mandro e o escrivão da Matriz numa
cannoa e noutra o Garcia,
Felipe Fernandes e o vigário
Chrysóstomo que me
propuz com
elles viajar rio
asima nos
entornos do sitio
Pedroens de
Pozo Alto do
dicto Fernandes”.
A elevação escolhida era cercada por um enorme alagadiço, embora ficasse muito próxima ao rio. Dessa forma, por serem essas terras documentadas,
o padre João
Crhysóstomo achou por bem lhe dar escolha e encerrar o caso da doação. Por seu lado, o senhor
Felipe Fernandes, de bom grado, doou aquelas terras para a construção da futura Igreja, em louvor a Santo
Antonio.
“
Encontrandosse o terreno que
attendesse a vontade do
sancto homem num outeiro baixo da margem
dereita de quem desce e que
alli elle se resignou construir a
capella. Por serem terras de
archivos e
escriptos authenticos e bons
agradousse o vigário do
Iguape e
dispoz o Fernandes a
doal-as e
remettel-as a Matriz do
Iguape”.
Stokler – 1829.
E, assim, considerou-se que, na data da visita paroquial e escolha do lugar, tornava-se declarado que a
Freguesia do Rio
Juquiá fôra fundada a 29 de
fevereiro de 1829. Entretanto, por não se encontrarem
registros e, diante do nosso calendário gregoriano, essa data histórica é
polêmica!
Discrepância histórica
Já que estamos relatando datas e fatos históricos, vamos nos
ater às confusões
calendáricas que sempre ocorrem nos
registros do passado. E, para
exemplificar, vamos descrever um ajuste astral feito em nosso calendário.
O ano tem 365 dias e seis horas. Assim, esse saldo de seis horas, a cada quatro anos, completa 24 horas, ou seja, um dia. Em virtude desse acontecimento, para que não haja divergências ou inexatidão, a cada quatro anos é acrescentado um dia ao mês de fevereiro que, normalmente, tem 28 dias. Quando isso ocorre, o ano que sofreu reajuste de um dia chama-se “ano bissexto”. Assim, aquele mês de 28 dias, passa a ter 29 dias. Em fevereiro de 2004 foi ano bissexto e, em conseqüência disso, tivemos o dia 29 de fevereiro.
Mas, retroagindo ao tempo, até 1829, quando houve a fundação de Juquiá, poderemos constatar que naquele ano o mês de fevereiro só teve 28 dias, pois o ano bissexto sempre é par. No entanto, a data da fundação de Juquiá foi registrada por nossos antepassados como tendo sido ocorrida no dia 29 de fevereiro de 1829. Portanto, quem registrou a data cometeu um grave erro. Resta-nos a dúvida, pois, respeitando as definições do nosso calendário gregoriano, diante desse grave erro, o dia certo da fundação de Juquiá deve ter ocorrido a 28 de fevereiro ou 1º. de março, de 1829.
Faltam registros
Diante dessa incoerência de datas fomos pesquisar o acontecimento no Livro Tombo da Basílica de Iguape. E, em ordem cronológica, encontramos as seguintes informações. Como já foi citado, em 09 de janeiro de 1829 o Bispo de São Paulo, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, baixou uma portaria que deveria ser obedecida por Iguape, “(...) na qual manda ao vigário da Vara desta Vila que vá ao Rio Juquiá criar ali hua Capella Curada”. Preparou-se, então, o padre, João Crhysóstomo, Vigário Colado à Matriz de Iguape para cumprir aquela missão. Cumprido o que lhe fôra ordenado, o padre João Crhysóstomo registrou:
“Tendo o Vigário da Vara dezempenhado a Comissão supra determinada, como participando o Exmo. he Rvmo. Prelado em data de 8 de 7bro. (08 de setembro – o grifo é nosso) do anno de 1829, possa agora fazer a seguinte declaração, ou termo sobre a mencionada Capella do Rio Juquiá”.
“Aos dez dias do mês de Outubro de mil oitocentos he trinta no Rio Juquiá, no lugar denominado Pedroens do Pôzo Alto (...), havendo cellebrado a primeira Missa no mencionado dia dez.(...)”
No Livro Tombo de Iguape nada consta sobre o dia 29 de fevereiro de 1829 como a data da fundação de Juquiá ou da visita e escolha do local para a ereção da Capela. E, como foi descrito acima, o único registro encontrado em ordem cronológica nos diz que em 08 de setembro do ano de 1829 o vigário João Crhysóstomo desempenhou a comissão determinada pelo Bispo de São Paulo, escolhendo um lugar adequado e mandando que ali se construísse uma capela.
O Livro Tombo da Igreja de Juquiá, desde a sua fundação até o ano de 1940, desapareceu misteriosamente, não nos deixando condições para pesquisar o fato. Contudo, a própria Diocese de Registro mantém um depoimento “feito de boca” por um antigo morador de Juquiá, que foi seguido à risca. A esse comentário, não sabemos como, pois nada descobrimos em nossas pesquisas, acrescentou-se um dia que nunca existiu no calendário, ou seja, o dia 29 de fevereiro do ano de 1829. Esta data, que nos parece ser aleatória, determinou o dia da fundação de Juquiá. O registro “feito de boca” constou no Boletim Diocesano nº. 57, de Registro, publicado em junho de 1983, encerrando o que somente “se disse”, e foi relatado por outro dos ancestrais de Felipe Fernandes, o irmão do senhor João Cândido da Silva, e nele se encerra:
“O senhor José Fernandes da Silva, antigo morador de Juquiá, conta o seguinte:Na metade do século passado os irmãos Fernandes – filhos de Fernando Gomes – embarcaram numa canoa, em companhia de um Padre, e saíram à procura de um lugar apropriado para construir a Igreja de Santo Antonio. As famílias daquele tempo se preocupavam muito para ter uma Igreja onde o Padre pudesse rezar a Missa e na qual eles pudessem fazer suas devoções, como sinal de sua fé profunda em Deus. Acharam bom o lugar onde se encontra hoje a Matriz. A área pertencia a Felipe Fernandes, filho de Fernando Gomes, que estava na comitiva. O senhor Felipe Fernandes declarou, na ocasião, que doava de bom grado, estas terras para a construção da Igreja de Santo Antonio”.
Portanto, também não existe neste depoimento a data da fundação de Juquiá ou o dia em que se deu a visita do vigário. Diante da discrepância calendárica a respeito da data e a falta de comprovação ao “29 de fevereiro” em todos os registros até aqui encontrados, havemos por bem que a data da visita paroquial para escolha do terreno, onde posteriormente foi construída a capela, tenha se dado “(...) em 8 de 7bro. do anno de 1829”, como assim registrou o padre João Crhysóstomo. Entretanto, segundo relatos de João Cândido da Silva, também descendente de Felipe Fernandes:
“(...) naquele dia, a comitiva sacerdotal de Iguape, que procurava um local para construir a capela e estava acompanhada pelos membros da família Fernandes, aportaram em uma bela praia de areias muito brancas, em frente a uma lagoa que era adornada por bonita ilha. Desta praia avistaram um morrote recoberto por densa mata virgem, onde habitavam muitos pássaros e vários animais, inclusive onças. O padre da comitiva encantou-se com o local e pediu que os Fernandes abrissem uma picada até o topo do morrote. Aberto o caminho pelo meio da mataria fechada o grupo chegou ao cimo desejado. Então alguém subiu em uma árvore e, lá de cima, comunicou ao padre que a visão era esplendida e que alcançava todo o Rio Juquiá, acima e abaixo. Satisfeito, o padre mandou abrir uma clareira e confeccionar uma provisória e tosca cruz, que foi erguida e benzida pelo sacerdote. A comitiva se ajoelhou e um breve culto foi realizado, abençoou-se o lugar escolhido, que foi prontamente doado por Felipe Fernandes”.
Muito interessante é o registro de Stokler que, em tudo, ratifica o depoimento que o senhor João Candido da Silva fez quase 180 anos depois. As histórias contadas, de geração em geração, pouco diferem dos reais acontecimentos da época.
“Paramos nu’a praia mui bonita maes hum poucco adeante do outeiro por não ter antes bom porto em frencte. Pedio o vigário abrir a mata e por alli subimos ao logar que de sima nada se via de vista porque a mata era mui feichada. O senhor Matheus Mandro subio num pao de figuera mui alto attendendo pela vontade do vigário de lá communicar a todos que a visão do rio prommetia de ser larga para a esquerda e dereita e de frencte sepodia ver as matas até as serras destantes. Abriusse hu’a clareira na mata no alto daquella elevação e fizemos alli a construcção de hum bom madeiro lavrado a machadim para o cruzeiro que levantamos”. Stokler – 1829.
“O vigário revestio a acção de graça hu’a oração de protecção ao logar para todo sempre ao senhor bom Deus que rezamos em curto tempo e de joelhos. Terminada a benção daquelle logar escolhido voltamos morro abaixo para a caza de Felipe Fernandes e seo pae. Do lado do outeiro encontravasse a lagoa da isla donde enterramos os dous corpos alli encontrados de pessoas estranhas ao logar que o vigário abençoou e deo uncção por achar terem coração e alma cristãn e foi elle despos satisfeicto de volta para o Iguape com o achado terreno da capella mandando aos nossos que construissem a capella e a elle voltassem a clamar quando promptifficada estivesse”. Stokler – 1829.
Antes da construção da Capela não existia um definido núcleo de povoado, pois os moradores instalavam-se ao longo do Rio Juquiá e seus afluentes. Após a construção da capela, com a sua Primeira Missa Oficial sendo realizada em 10 de outubro de 1830, iniciou-se, de fato, embora muito lentamente, o povoado da Freguesia de Santo Antonio do Rio Juquiá. Em razão destas versões e por falta de comprovação de outra data, visto que o dia “29 de fevereiro de 1829” simplesmente nunca existiu, o verdadeiro dia da Fundação de Juquiá deve ser comemorado a 08 de setembro de 1829, data da benção e culto pela escolha do local, ou a 10 de outubro de 1830, data da Primeira Missa, já na Capela de Juquiá!
Obs: Relatos da Obras e histórias de Juquiá.
Historiador Hermann Volpert.
Um historiador que procura a anos encontrando relatos relacionado a nossa história que ao contrário do que muita gente possa imaginar é fantástica.